Uma graça

Desde o surgimento da humanidade, histórias foram reproduzidas e criadas, e as pessoas as contavam à sua maneira, podendo ser de forma fiel ou exorbitante, com o objetivo de apenas comunicar um fato, impressionar, divertir ou até amedrontar. Por conta disso, o teatro surgiu quase de forma natural para auxiliar na perpetuação de tais histórias, havendo, inclusive, registros de rituais que se assemelhavam ao mesmo, que datam de 80.000 a.C. no Egito. Mas foi só na Grécia Antiga que o teatro como conhecemos hoje foi criado, através da síntese de diversas artes, como dança, poesia e música. O teatro na Grécia era dividido em duas vertentes, representadas por duas máscaras, a Comédia e Tragédia. Aristóteles, famoso filósofo grego, disse que a Tragédia tratava basicamente de homens excepcionais, como heróis, e já a Comédia seria sobre pessoas mais comuns, pessoas menos representativas na pólis. Desde então a Comédia vem sendo usada como ferramenta de sátira dos mais diversos aspectos da sociedade, e é sobre a Comédia no contexto atual que esse texto irá abordar.

Eu adoro rir, como qualquer pessoa, e com o meu eventual amadurecimento fui "evoluindo" com relação ao que me entretinha. Quando eu era criança, ficava mais do que satisfeito com as peripécias do Pernalonga, Patolino e afins. Posteriormente, passei a ver filmes com humores mais refinados, ou nem tanto Todo Mundo em Pânico, e também programas não infantis. Chegando, enfim, ao Stand Up, o qual eu acredito que seja um dos modelos mais populares (quiçá o mais popular) de humor atualmente, e é o que irei enfatizar.

Geralmente o humor é baseado em preconceitos, mas é preciso esclarecer que nem toda piada feita a partir de estereótipos é discriminatória, por exemplo, o fato de os gaúchos constantemente falarem “bah” é um conceito que é comumente disseminado no Brasil, porém isso não causa nos gaúchos qualquer tipo de constrangimento, acredito eu. Os comediantes utilizam várias fórmulas para “construir” suas piadas, e entre tais fórmulas o ataque às minorias costuma ser o mais utilizado, sendo o modo mais “fácil”  afinal, fazer piadas pejorativas sobre negros, homossexuais e moradores de favela não costuma ser um grande desafio – e o mais controverso.

Em contrapartida a esses ataques, vem sendo usado um termo bastante polêmico, pode-se assim dizer: o "politicamente correto", que significa, basicamente, expressar-se de forma inocente, sem ofender nenhum grupo social ou pessoa. Mas como fazer humor sem ofender? Acredito que esse seja um dos maiores desafios para os comediantes que se importam em manter-se neutros. Mas eu, particularmente, acho que certas pessoas merecem ser atacadas moralmente, e o humor é uma arma devastadora quando usada de forma correta. E atacar pessoas que costumam ser poderosas, seria como "passar a mão na bunda do guarda" (termo usado no documentário que me inspirou a escrever sobre esse assunto e está no final deste texto), ou seja, é bastante arriscado, mas se torna mais engraçado justamente por conta desse ar revolucionário.

No entanto, fazer piadas preconceituosas desgastadas apenas com o objetivo de inferiorizar certos grupos e tentar fazer a plateia rir é estupido e desnecessário. Aliás, para citar dois comediantes completamente diferentes - e que fazem parte de meus prediletos por causa de suas personalidades e perspicácia -, Chris Rock, por exemplo, costuma fazer piadas “pesadas” em suas apresentações, usando largamente de preconceitos e ofensas, mas, ainda assim, surpreende pela forma como ele consegue usar o preconceito, geralmente contra os negros, a favor deles mesmos, satirizando a maneira como os brancos agem e são tratados pela sociedade, tendo até em uma apresentação criticado o ex-presidente dos EUA, George W. Bush, em pleno mandato, mas não simplesmente ofendendo apenas para querer arrancar risadas da audiência, e sim para criticar de forma ácida e sábia o governo americano e a sociedade. E Rowan Atkinson, consagrado por seu humor “inocente”, que faz graça com situações do cotidiano, e através de Mr. Bean, seu personagem mais popular, acredito que tenha sido responsável por muitas risadas dadas por nossos leitores em suas respectivas adolescências, infâncias e até nos dias atuais, mesmo. Mas engana-se quem pensa que Rowan não é, de certa forma, polêmico. Segue o vídeo de sua apresentação na qual cita diversos grupos sociais, mas sem ofender nenhum:


Por fim, acredito que os comediantes têm o direito e devem tentar ser transgressores do que é comum e aceitável, contanto que isso traga de alguma forma benefícios - tanto sociais ou até mesmo apenas a boa e velha risada - mas que também possam lidar com as respostas às suas piadas e afins. Pois como Jean Wyllys (deputado federal do PSOL-RJ e ex-BBB) diz no documentário: "As liberdades têm limites. E a minha liberdade se encerra no direito do outro". Portanto, é necessário ousadia e inteligência justamente para não ultrapassar o limite dessa liberdade e ainda fazer com que o público ria e se identifique com a piada - ou o que for.

Segue o documentário de Pedro Arantes, "O riso dos outros", que inspirou o texto:


Fonte da imagem: Dotecome

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