Tim Burton: um adulto com cabeça de criança

Era uma vez um menino solitário que era ignorado pelas pessoas à sua volta. Em vez de amigos normais, ele cresceu gostando de monstros e cachorros. A imaginação hiperativa do adolescente reinterpretava tudo o que via, fazendo até sua própria casa virar o castelo do Barba Azul. Essa criatividade exuberante, arrancada da maioria de nós pelo conformismo e as responsabilidades da vida adulta, criou um mundo de sonhos sombrios e pesadelos coloridos, um mundo que podemos experimentar ocasionalmente através dos filmes de Tim Burton, que foi bastante influenciado por clássicos de monstros em preto e branco, ficção científica dos anos 1950, desenhos animados que passavam na TV nos sábado de manhã e contos de fadas.

Você talvez o ache um cara estranho, afinal, Burton só se veste de preto, faz filmes bizarros e desenhos com monstros. Mas ele, na verdade, é apenas um adulto com cabeça de criança, ainda tímido, que adora expressar em seus filmes tudo que se passa em sua mente criativa.

Burton precisa de filmes não só como uma desculpa para se levantar de manhã, mas como um meio de interagir com o mundo real. “Metade das coisas nas quais trabalhei são monstros enormes cuja data de lançamento existe antes mesmo do roteiro. Mas a outra metade são tentativas abstratas de uma autobiografia. Fico impressionado com pessoas como Robert Wise (A noviça rebelde e O enigma de Andrômeda), que conseguem ir de um gênero a outro e cada filme parece diferente. Nunca senti que poderia fazer isso. Preciso de algum tipo de conexão.”

Burton é bastante conhecido por seus filmes em parceria com Johnny Depp e Helena Bonham Carter, mas hoje decidi lhes apresentar alguns filmes de Burton em que esta parceria não está presente, mas que são tão bons quanto.

As grandes aventuras de Pee-Wee (1985), seu primeiro grande trabalho como diretor, é um agradável brincadeira infantil no universo fofo-sinistro do personagem de TV Pee-Wee Herman. Pee-Wee era uma criação do ator Paul Reubens, que entraria para o círculo de colaboradores de longo prazo de Burton, o qual também incluía o designer de produção Rick Heinrichs e o compositor de trilhas sonoras Danny Elfman. Com suas geringonças inusitadas e um humor aloprado, o filme é uma dessas raras ocasiões nas quais os ingredientes criativos contribuem para que cada parte se encaixe perfeitamente. E esse apelo todo cativou o público, que compareceu em grande número às salas de cinema no seu lançamento, transformando o filme em um sucesso inesperado para a Warner Brothers.



Durante a jornada cômica de Herman para tentar recuperar sua bicicleta roubada, ele cruza o país com escalas na Burtonlândia durante quase todo o caminho. Pee-Wee vive em um mundo bastante diferente do nosso, sua casa é como uma loja de brinquedos, o paraíso dos cleptomaníacos, cheias de aparelhos inúteis e bugigangas compradas em lojas de truques. É um mundo de cores primárias, inteligência de jardim de infância e prazeres tolos e perfeitos.

Pee-Wee adora sua bicicleta vermelha dos anos 1950 e quando o gordo, rico e ganancioso Francis (Mark Holyton) a rouba, ele tem um ataque de raiva infantil. Mas, mesmo sendo um nerd obsessivo, ele também é um cara legal, sempre com uma resposta na ponta da língua. uma estratégia pronta e a energia de um aventureiro nato. Ele possui o mesmo espirito de retomada dos grandes comediantes do cinema mudo. E não é possível explicar a comédia, você precisa ver com seus próprios olhos.

Os fantasmas se divertem (1987), um clássico da sessão da tarde durante a minha infância, é um comédia de fantasmas ruidosa. Logo nos primeiros oito minutos já estamos totalmente cativados por Adam e Barbara Maitland (Alec Baldwin e Geena Davis), um casal jovem e agradável que vive em um casa excepcionalmente alta, simples, antiga e branca. Repentinamente, o diretor e seus roteiristas matam os Maitland, uma ação tão chocante quanto o humor negro deles, já que o acidente fatal também é uma cena humorística muito bem ensaiada. Mas não é o fim dos Maitland, que se materializam em sua antiga casa, invisíveis para todos, menos para si mesmos e para Lydia (Winona Ryder), a filha adolescente dos novos donos da casa, finos refugiados de Manhattan.

Os fantasmas se divertem inverte o roteiro normal de filmes com casas mal-assombradas. Nesse caso, os fantasmas é que querem se livrar dos humanos, mas percebem que não é mais tão fácil assustar as pessoas. Eles contratam os serviços duvidosos do autoproclamado “bioexorcista” Michael Keaton, cujo nome é Betelgeuse, embora seja chamado de Beetlejuice (besouro-suco), um indivíduo obcecado por sexo, com cabelo revolto e círculos negros em volta dos olhos.


Burton cria uma grande diversão com a visão de um pós-vida regido por espíritos que se condenaram a uma eternidade como servidores públicos ao cometerem suicídio, e o filme tem um conjunto de regras consistentes e desconcertantes sobre como a coisa funciona. Os Maitland devem permanecer na casa deles ou serão transportados para Saturno; Betelgeuse só pode entrar em ação se seu nome for chamado três vezes; os novos fantasmas recebem um Manual para os recém-falecidos que não serve pra nada.

Graças ao tom comicamente sombrio do inicio do filme, as impressões causadas por esses personagens e outros tantos estão longe de ser mórbidas e de mau gosto, gerando, em vez disso, um efeito hilário. Há uma sensação diferente em Os fantasmas se divertem, um espasmo deliberado parece permitir à sátira e ao besteirol simples trabalharem juntos e funcionarem muito bem. E o filme parece implorar para virar um musical - e nós desejamos que isso aconteça, claro.

Peixe Grande e suas histórias maravilhosas (2003) possui elementos fantásticos, mas que estão a serviço de uma história de afirmação da vida entre pais e filhos. O filme tem Albert Finney como Edward Bloom, um homem no leito de morte lembrando de si mesmo quando mais jovem (interpretado por Ewan McGregor) com uma força de esperança incansável. Peixe Grande e suas história maravilhosas tem suas raízes em um mundo adulto conflitante e, pela primeira vez em um filme de Burton, é o pai, e não a criança, o excêntrico incompreendido.


Geralmente peixes grandes nadam em lagos pequenos. Entretanto, nesse filme de Tim Burton sobre um filho, um pai e as mentiras que existem entre eles, não há pequenos lagos, apenas cenários grandes e brilhantes, saídos da imaginação do diretor. Baseado no livro Peixe Grande, de Daniel Wallace, conta a saga de um contador de histórias que, depois de uma vida dedicada a falar sobre gigantes chorosos e mulheres de duas cabeças, encara a perspectiva de morrer sob a sombra negra do ressentimento do filho.

Peixe grande e suas histórias maravilhosas é o filme mais correto no excêntrico repertório de Burton. Ou, talvez, seja a história mais direta que o diretor contou. O papel de Will é a história de um jovem com a alma pesada, que tenta fazer as pazes com seu passado. Casado com uma francesa, ele trabalha como jornalista em Paris, tentando escapar do bom humor afetado do pai devotando-se às notícias em um país onde as pessoas se levam a sério mais até do que ele mesmo. Quando Will recebe a notícia da doença do pai, pega a mulher e seus ressentimentos e os leva de volta para casa em uma pequena cidade do Alabama.

Burton escancara a comédia visual da automitologia do personagem e deixa a coisa ir em frente, às vezes com um efeito estonteantemente alegre. Nas mãos do diretor, até mesmo o aniversário de Edward vira uma hipérbole cômica. Edward raramente para de se mover nos anos seguintes, e muito do apelo e animação do filme vem de sua peregrinação quixotesca em busca de sua individualidade.

Infelizmente, só podemos ficar com o jovem Edward por um curto período, pois metade do filme envolve um filho adulto e seu pai com uma doença terminal, e se passa no mundo familiar da acusação, confissão, reviravolta e aceitação. Burton, regularmente e com uma relutância palpável, nos arranca da florida imaginação de Edward e nos joga de volta no deserto de reprovação de Will. Apenas Jessica Lange, como esposa de Edward e mãe de Will, ilumina esse melancólico retorno ao melodrama familiar, seja entrando na banheira com seu marido ou reprovando carinhosamente seu filho por sua seriedade.

Fonte das imagens (respectivamente): Filmmaker IQGuys NationTumblrGNout e FanPop.

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